Fazenda de São Paulo se pronuncia sobre a incidência do ICMS em transferências para estabelecimentos da mesma pessoa jurídica

 Como já tivemos oportunidade de comentar em outras ocasiões, (Trechos da Lei Kandir são considerados inconstitucionais / Cobrar ICMS nas transferências interestaduais é inconstitucional) o STF reiterou a jurisprudência no sentido da não incidência do ICMS nas operações onde os participantes são estabelecimentos da mesma pessoa jurídica. (ARE 1255885/ADC 49 RN)

Em que pese o entendimento firmado, operacionalmente ainda estamos praticando as operações de transferência com a tributação do imposto estadual, considerando que as normas inconstitucionais não foram revogadas e os Estados ainda não se adequaram ao novo entendimento.

O fato é que o tema é bastante controverso e alguns pontos precisam ser devidamente esclarecidos para que o entendimento seja aplicado da melhor maneira. Veja que pontos como estorno (ou não) de crédito, quebra do pacto federativo pela não tributação nas operações interestaduais, bem como implicações práticas no caso de saídas de mercadorias sujeitas ao regime de substituição tributaria, são assuntos considerados de extrema relevância com impacto direto para as empresas e para os Fiscos Estaduais.

Sabe-se também que o Estado do Rio Grande do Norte opôs Embargos de Declaração (ADC 49), com efeitos infringentes, no intuito de sanar obscuridades bem como determinar a forma de modulação dos efeitos da decisão. O julgamento dos embargos, até a edição deste texto, estava agendado para o mês de setembro de 2021.

O próprio COMSEFAZ (Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal) enviou oficio ao Ministro Relator da ADC 49, Edson Fachin, buscando soluções e esclarecimentos de via prática da decisão do Supremo, dentre elas que a inconstitucionalidade dos artigos da LC 87/96 passe a ter efeitos apenas a partir do exercício de 2023, para que assim o legislativo e os Estados tenham tempo para se adequar a nova regra.

Diante desse cenário de incertezas, alguns contribuintes vêm questionando as Fazendas Estaduais para que se manifestem e digam como devem proceder na emissão de documentos fiscais considerando o posicionamento da Corte Suprema.

Em São Paulo, uma empresa que atua no comércio por atacado de peças e acessórios novos para veículos automotores indagou ao Fisco se deveria continuar destacando o imposto nos documentos fiscais que acobertam as transferências de mercadorias, sujeitas ou não ao regime de substituição tributária, realizadas entre seus estabelecimentos, tanto em operações internas como em interestaduais.

A resposta colacionada ao contribuinte através da RESPOSTA À CONSULTA TRIBUTÁRIA 23938/2021, de 23 de agosto de 2021, foi de que “enquanto não proferida a decisão final referente aos embargos de declaração interpostos em razão de omissões decorrentes do teor da decisão proferida na ADC 49 e, tendo em vista a legislação vigente do imposto (Lei Complementar nº 87/1996, Lei Estadual nº 6.374/1989 e RICMS/2000) e a natureza vinculada da atividade fiscalizatória, entende-se que permanecem aplicáveis as atuais disposições legais condicionantes ao correto aproveitamento do crédito e referentes à sistemática da substituição tributária nas transferências entre estabelecimentos pertencentes ao mesmo titular”.

Veja abaixo a resposta na íntegra:

“Ementa
ICMS – Transferência de mercadorias entre estabelecimentos pertencentes ao mesmo titular – Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 49 (ADC 49).
Enquanto não proferida a decisão final referente aos embargos de declaração interpostos em razão de omissões decorrentes do teor da decisão proferida na ADC 49 e, tendo em vista a legislação vigente do imposto (Lei Complementar nº 87/1996, Lei Estadual nº 6.374/1989 e RICMS/2000) e a natureza vinculada da atividade fiscalizatória, entende-se que permanecem aplicáveis as atuais disposições legais condicionantes ao correto aproveitamento do crédito e referentes à sistemática da substituição tributária nas transferências entre estabelecimentos pertencentes ao mesmo titular.
Relato
1. A Consulente, que declara no Cadastro de Contribuintes do ICMS – CADESP exercer, como atividade principal, o comércio por atacado de peças e acessórios novos para veículos automotores (Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE 45.30-7/01), ingressa com sucinta consulta referente à operação de transferência de mercadorias entre estabelecimentos de mesma titularidade.
2. Menciona recente decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no curso da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 49 (ADC 49), que declarou a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei Complementar nº 87/1996, voltados à incidência do ICMS no deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular em operações interestaduais e indaga se deve continuar destacando o imposto nos documentos fiscais que acobertam as transferências de mercadorias, sujeitas ou não ao regime de substituição tributária, realizadas entre seus estabelecimentos, tanto em operações internas como em interestaduais.
Interpretação
3. De partida, registre-se que, como é de conhecimento da Consulente, a Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 49 (ADC 49), ajuizada pelo Governador do Estado do Rio Grande do Norte, foi declarada improcedente pelo Supremo Tribunal Federal em sessão virtual do Plenário de 9 a 16 de abril de 2021, tendo sido o acórdão publicado em04/05/2021. Como conseqüência, o STF declarou a inconstitucionalidade dos artigos 11,§3º, II, 12, I, no trecho “ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular”, e 13,§4º, da Lei Complementar Federal nº 87, de 13 de setembro de 1996.
4. Destaque-se que, a nosso ver, a declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos em tela foi silente quanto a outros pontos da Lei Complementar nº 87/1996, o que dificulta sobremaneira sua aplicação em aspectos fundamentais da sistemática do ICMS. Isso fica evidente, por exemplo, no que tange à não cumulatividade do imposto, operacionalizada por meio do mecanismo de débito e crédito, com previsão expressa na mesma lei complementar, especificamente em seus artigos 19 a 23.
5. É de se notar que tais dispositivos, que não foram objetos da ADC 49, foram construídos tendo como base a autonomia dos estabelecimentos para fins do ICMS, permitindo que o débito do imposto referente à operação de transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular, devidamente destacado em documento fiscal próprio, pudesse ser aproveitado, como crédito, pelo estabelecimento destinatário, respeitando assim a não cumulatividade e resultando num valor nulo para efeitos tributários. Nesse sentido, é importante consignar que a legislação paulista contempla o princípio da não cumulatividade, bem como os requisitos para a sua correta observância, no artigo 36 da Lei Estadual nº 6.374/1989 e nos artigos 59 a 61 do Regulamento do ICMS – RICMS/2000.
6. A inobservância dessa sistemática pode levar à impossibilidade do correto aproveitamento do crédito pelo estabelecimento destinatário da mercadoria, mesmo porque o artigo 46 da referida Lei nº 6.374/1989 veda a transferência de crédito de um para outro estabelecimento, ressalvadas as hipóteses previstas em regulamento (albergadas pelos artigos 70 a 70-I do RICMS/2000). Assim, exceto quanto a esses casos expressamente previstos, a legislação vigente, eficaz e presumidamente constitucional, não admite outras formas de transferência de crédito simples do imposto entre estabelecimentos. E, nesse ponto, é de fundamental importância ressaltar a natureza vinculada da atividade fiscalizatória, consagrada pelo artigo 3º do Código Tributário Nacional.
7. No mesmo sentido, a sistemática da substituição tributária também encontra previsão na Lei Complementar nº 87/1966 (artigo 6º), Lei nº 6.374/1989 (artigos 66-A a 66-H) e RICMS/2000 (artigos 260 a 313-Z20 e 426-A), sem que tenha sido objeto de questionamento na referida ADC 49.
8. Tais omissões, decorrentes do teor da decisão proferida na ADC 49, foram cristalizadas pela admissão dos embargos de declaração opostos pela Governadora do Estado do Rio Grande do Norte, a fim de modular seus efeitos, com o subseqüente pedido de ingresso como amicus curiae de diversas entidades representativas de contribuintes do ICMS, acrescentando preocupações semelhantes às apresentadas na presente resposta.
9. A admissão de algumas dessas entidades já foi aceita pelo Ministro Relator, e entendemos oportuna a transcrição de trecho dessa decisão:
“Como é sabido, a interação dialogal entre o STF e pessoas naturais ou jurídicas, órgãos ou entidades especializadas, que se apresentem como amigos da Corte, tem um potencial epistêmico de apresentar diferentes pontos de vista, interesses, aspectos e elementos que, não raro, excedem os limites estritos da controvérsia entre as partes em sentido formal.
Possibilita-se, assim, a produção de decisões mais adequadas e legítimas do ponto de vista do Estado Democrático de Direito.
O vigente Código de Processo Civil inovou ao incorporar ao ordenamento jurídico nacional regramento geral para o instituto no âmbito da jurisdição civil.
É extremamente salutar que a Corte reflita com vagar sobre as vascularidades existentes entre o regramento das ações de controle de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal e o Processo Civil em geral, especialmente no que diz respeito à legitimidade recursal, etc.
De um lado, tem-se a necessidade de relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia. De outro, a representatividade adequada do amicus curiae.
A relevância da matéria e repercussão social da matéria evidenciam-se pelo próprio conhecimento da Ação Declaratória, que exige a “controvérsia judicial relevante” (art. 14,par. único, da Lei 9.868/99).
As entidades que requerem o ingresso são todas, conforme trechos grifados no relatório, representantes de setores econômicos atingidos pela decisão e especificamente interessadas na interpretação e modulação dos seus efeitos, objeto dos Embargos de Declaração.
Resta evidente, portanto, a existência de pertinência entre as suas finalidades e a controvérsia dos autos. Desse modo, entendo serem legítimas as suas intervenções como amicus curiae, sobretudo em virtude da possibilidade de sua contribuição relevante, direta e imediata para tema em pauta.” (grifos nossos)
10. Parece-nos clara a necessidade de manifestação da Suprema Corte quanto aos pontos levantados nos embargos de declaração opostos à ADC 49, de modo a esclarecer seus efeitos – e, possivelmente, modulá-los – e proporcionar a segurança jurídica necessária, tanto a contribuintes como aos fiscos, quanto aos pontos objeto da presente consulta.
11. Além disso, é importante notar que o artigo 28 da Lei Federal nº 9.868/1999estabelece que a eficácia normativa e efeito vinculante dos julgamentos realizados pelo STF em ações de controle concentrado de constitucionalidade advêm de seu caráter definitivo, capaz de manter ou excluir a referida norma do ordenamento jurídico, o que, s.m.j., não nos parece ser o caso do acórdão publicado nos autos da ADC 49, diante das admissões de ingresso de entidades como amicus curiae e da oposição dos Embargos Declaratórios, os quais, conforme §4º do artigo 1024 do CPC, podem implicar modificação da decisão embargada.
12. Assim, enquanto não proferida a decisão final dos embargos de declaração em tela, e tendo em vista a legislação vigente do imposto (Lei Complementar nº 87/1996, Lei Estadual nº 6.374/1989 e RICMS/2000) e a natureza vinculada da atividade fiscalizatória (Código Tributário Nacional), entendemos que permanecem aplicáveis as atuais disposições legais condicionantes ao correto aproveitamento do crédito nas transferências entre estabelecimentos pertencentes ao mesmo titular, bem como aquelas relacionadas à aplicação da sistemática da substituição tributária.
13. Nestes termos, consideram-se respondidos os questionamentos da Consulente.

Fonte: Tributário - Por Jefferson Souza

26/08/2021

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